A DOCE COSTA LESTE, A CRíTICA | A LILIAN NO OUTRO LADO DO ESPELHO

“A Doce Costa Leste”, de Sean Price Williams é uma viagem satírica e onírica de Lilian, uma jovem adolescente pelos mitos do imaginário americano, como se fosse uma espécie de “Alice no País das Maravilhas” contemporânea, que percorre o leste dos EUA. Estreia a 27 de Junho e vai tornar-se sem dúvida o filme-sensação do cinema independente norte-americano desta temporada. 

Foi uma das boas surpresas da Quinzena dos Cineastas do Festival de Cannes 2023, este delirante “A Doce Costa Leste” (“The Sweet East”), realizado pelo diretor de fotografia Sean Price Williams — habitual colaborador dos irmãos Safdie, mas também de Abel Ferrara, Alex Ross Perry ou Sean Baker —  e surpreendentemente escrito pelo critico de filmes Nike Pinkerton, filme que chega agora às salas de cinema, se calhar não na melhor altura.

Esta sátira picaresca, fresca e surreal, decerto modo um retrato crítico da "nação americana’" da atualidade, vai tornar-se certamente o filme de culto do ano — pelo menos em termos de geração — e no qual são abordados alguns dos problemas dos jovens mas também alguns dos grandes mitos do imaginário norte-americano: a viagem, o físico e o emocional, o medo e a desilusão, num filme que reflete igualmente sobre política, identidade e a fama.

As "travessuras deste menina má" revelam-nos igualmente um conjunto de personagens únicos, numa uma espécie de retrato dos lugares mais sombrios do Centro-Oeste americano. Bem-vindos a uma América em crise, mas (aparentemente) do outro lado do espelho!

O magnetismo de Talia Ryder

Com a magnética Talia Ryder (“Nunca Raramente às Vezes Sempre”) na inquietante protagonista, uma jovem e bela atriz que começa a agora a despontar como a nova musa do cinema independente norte-americano, “A Doce Costa Leste”, a primeira obra de Williams como realizador, conta a história de Lillian, uma jovem estudante da Carolina do Sul, que decide fugir da sua excursão de finalistas do secundário a Washington DC, para tentar conhecer-se um pouco melhor a si mesma. Porém, ao longo desse seu caminho de auto-conhecimento e deslumbramento, vai encontrar uma série de situações e pessoas muito estranhas, cada uma delas vivendo no presente a sua própria realidade alternativa.

Esta viagem picaresca lembra-nos também um conto de fadas, onde a jovem descobrirá um mundo surpreendente e alternativo, tal como “Alice no País das Maravilhas”, a famosa heroína de Lewis Carroll ou também a epopeia de “O Lazarillo de Tormes” — o famoso clássico da literatura espanhola, anónimo de 1554 —, já que a protagonista nada mais faz do que andar de um lado para o outro sempre com alguém que a ajuda na sua sobrevivência quotidiana ou a ultrapassar uma situação mais complicada.

Nesta jornada digressiva e episódica de auto-descoberta de Lillian, troca facilmente e quando é preciso, de nome e de identidade como quem muda de camisa; começa por apegar-se a um grupo de ativistas, com Caleb (Earl Cave), um tipo de olhos esfumados e piercings extravagantes; depois liga-se ao supremacista branco de meia-idade Lawrence (Simon Rex), seguindo-se um encontro com Molly (Ayo Edebiri), uma cineasta terrivelmente pretensiosa que escolhe Lillian para protagonista do seu filme de época de produção independente, onde vai contracenar com o galã do momento Ian (Jacob Elordi, que parece ter aderido também ao cinema fora do mainstream),  algo que vai terminar numa sequência alucinante e violenta, que ronda os filmes de terror. 

Vê o trailer de "A Doce Costa Leste"

Uma jornada surreal e alucinante

Filmado numa agitada câmera no ombro e num fundamental formato de 16 mm, que lhe dá uma forte granulação e um estilo bem indie, “A Doce Costa Leste” é uma obra que nos remete para primeiros filmes de cineastas norte-americanos como Gus van Sant ou Sean Baker, o vencedor da Palma de Ouro de Cannes 2024; mas também curiosamente para um filme de culto: “As Pequenas Margaridas” (1966), também conhecido como “Daisies”, da realizadora checo-eslovaca Věra Chytilová.

Lillian poderia ser, pese embora a enorme atualidade da história e do seu personagem, uma herdeira direta das encrenqueiras Marie I e Marie II, protagonizadas por Jitka Cerhová e Ivana Karbanová, nesse filme que foi um símbolo do anarquismo e do surrealismo do anos 60 — no contexto do "novo cinema checo (eslovaco)" —, porém agora feito a pensar na geração TikTok, a época da expressiva personagem interpretada de uma forma notável por Talia Ryder (21 anos).

O percurso de iniciação de um realizador

Na verdade, o trabalho de Sean Price Williams neste filme não nos aparece por acaso, já que como diretor de fotografia é responsável pela imagem de filmes como “Heaven Knows What” (2014) ou “Good Time” (2017), dos nova-iorquinos irmãos Safdie, e por “Her Smell-A Música Nas Veias”, de Alex Ross Perry, todas obras que decerto modo partilham essa mesma energia caótica, agitada e perturbadora, além da necessidade de uma atenção permanente aos detalhes e situações.

Atenção também à banda sonora, que complementa os ambientes correntes entre o urbano e a floresta. Trata-se enfim de um "road movie" provocador, satírico e absurdo e sobretudo uma perturbadora e extraordinária viagem pelas sub-culturas mais perigosas e irritantes da América contemporânea.

A Doce Costa Leste, em crítica

Título: The Sweet East
Descrição: Lillian (Talia Rider), é uma jovem do interior, estudante do ensino secundário, que propositadamente escapa-se dos colegas durante uma viagem escolar à capital dos EUA. Esta viagem picaresca e surreal desta rapariga, lembra-nos um conto de fadas ou uma versão moderna de “Alice no País das Maravilhas”, onde esta descobrirá um mundo verdadeiramente surpreendente.
Realizador: Sean Price Williams,,
Elenco: Talia Ryder, Earl Cave, Simon Rex, Ayo Edebiri, Jeremy O. Harris, Jacob Elordi, Rish Shah,
Género: Drama, Comédia
José Vieira Mendes 85

CLASSIFICAÇÃO FINAL: 85

Resumo:

Em “A Doce Costa Leste”, uma jovem estudante insatisfeita e inquieta da Carolina do Sul viaja para Washington DC onde vai conhecer supremacistas brancos, criativos irresponsáveis ​​e viver complicadas situações, numa anárquica sátira sobre estado da ‘nação americana’. Durante essa viagem de finalistas, Lillian afasta-se dos seus colegas e foge. Desapegada de tudo — inclusive do seu telemóvel — e de todos, embrenha-se pelas cidades e florestas da costa leste dos EUA, envolvendo-se em aventuras inesperadas e conhecendo estranhas pessoas ao longo do seu caminho. O seu encontro com um ativista político anarquista, um professor universitário de extrema-direita e um ator famoso desencadeiam uma série de eventos surreais e perigosos. Talia Ryder, Earl Cave, Simon Rex, Ayo Edebiri, Jeremy O. Harris, Jacob Elordi e Rish Shah, assumem-se como incríveis personagens de um ‘road-movie’ surreal que reflete também sobre política, identidade e fama, realizado pelo estreante Sean Price Williams — conhecido diretor de fotografia que já trabalhou com Abel Ferrara, os irmãos Safdie, Alex Ross Perry ou Sean Baker. O argumento é curiosamente da responsabilidade do jornalista e crítico de cinema Nick Pinkerton, residente no Brooklyn, que já escreveu para a Film Comment, Sight & Sound, Artforum, frieze, Reverse Shot, 4Columns, Harper’s, the Baffler e Village Voice, entre outras publicações. Uma maravilha!

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