O ASSOMBROSO SOM DE 30 ANOS DE ALTERAçõES CLIMáTICAS EM 6 MINUTOS

Pense na composição musical mais comovente que ouviu na vida. A música tem o poder incrível de conseguir tocar nas cordas do nosso coração ou enviar um exército para uma batalha – e agora um cientista japonês está a tentar usar os sentimentos gerados pela música para inspirar acções para combater as alterações climáticas.

Fê-lo sob a forma de um quarteto de cordas, No. 1, Polar Energy Budget. Utilizando um processo conhecido como sonificação, o geocientista e músico Hirota Nagai transformou dados de satélite recolhidos no Árctico e na Antárctida numa assombrosa peça de seis minutos que pede aos ouvintes para sentirem em vez de compreenderem intelectualmente as formas como a actividade humana estão a afectar o planeta.

“Quero transmitir não só as questões ambientais, mas também os sistemas intricadamente elaborados da Terra e toda a história de 4.500 milhões de anos subjacente”, diz Nagai, um cientista geoambiental da Universidade de Rissho. Numa altura em que é urgente despertar a consciência ambiental a nível global, Nagai diz: “espero chamar a atenção para a complexidade e magnificência dos mecanismos da Terra”.

O projecto de investigação que levou à composição foi publicado no dia 18 de Abril na revista iScience.

Melodias assombrosas

A música assume a forma de um quarteto escrito para dois violinos, viola e violoncelo. Nagai criou uma equivalência entre as melodias dos instrumentos e dados recolhidos entre 1982 e 2022 em quatro locais nos pólos: um posto de observação na plataforma de gelo da Gronelândia, um posto de comunicações via satélite no arquipélago de Svalbard e dois postos de investigação da Antárctida. Em seguida, utilizou um programa de sonificação para transpor os dados da radiação solar, radiação de infravermelhos da atmosfera, temperatura à superfície, espessura das nuvens e precipitação para diferentes frequências musicais que representam as alterações ao longo do tempo.

Nagai diz que baseou a sua composição no conceito de equilíbrio da energia polar. Como são muito sensíveis aos impactos das alterações climáticas, as regiões polares podem revelar os efeitos profundos destas e da energia solar sobre a Terra como um todo.

“O aquecimento global já é conhecido, mas existem intricados mecanismos de troca de energia subjacentes”, explica Nagai. “Quando esse equilíbrio é perturbado pelo aumento dos gases com efeito de estufa, a desordem manifesta-se.”

A peça de seis minutos foi interpretada ao vivo pela primeira vez em Março de 2023 na Universidade Waseda, em Tóquio. O vídeo de uma actuação do japonês PRT Quartet está disponível no YouTube.

Despertando emoções

A ideia de sonificar dados – transformar informação em som – tem sido utilizada, com excelentes resultados, por outras ciências. Por exemplo, a NASA utilizou a técnica para sonificar características astronómicas, incluindo galáxias e nebulosas.

“Dizem que a música é uma linguagem universal e acho que é uma linguagem capaz de alcançar muitas pessoas de maneiras que as ferramentas habitualmente utilizadas pelos cientistas do clima não conseguem na maioria das vezes”, diz o cientista do clima Scott St. George. Juntamente com o compositor Daniel Crawford e uma equipa da Universidade do Minnesota, criou duas das primeiras populares composições baseadas no clima, “Song of Our Warming Planet” e “Planetary Bands, Warming Worlds”.

“Tentámos falar sobre as alterações climáticas de forma normal e tivemos algum sucesso, mas não da forma como precisamos”, diz St. George.

“Muito frequentemente, as alterações climáticas são algo em que pensamos ou ouvimos falar, mas quando transformamos dados sobre o clima em som ou, mais especificamente, em música, tornam-se algo que conseguimos sentir. É essa reacção visceral que torna este tipo de projecto bem-sucedido.”

Na nova composição, Nagai expandiu o papel da interpretação artística. Aplicando o seu processo demusificação, Nagai recorreu a estratégias de composição clássicas como dinâmicas variantes e prolongamento de tons, enfatizando linhas melódicas e desenvolvendo ritmos para criar momentos de tensão e libertação emocional. “Na verdade, o espírito da melodia pode ser bastante manipulado com base nos parâmetros definidos pelo compositor, mesmo que os dados originais sejam os mesmos”, diz.

Nagai espera que o seu trabalho inspire outros a transformar dados sobre o clima em arte. “Ao propor e demonstrar, na prática, uma metodologia para criar música através de dados, espero chamar a atenção para este recurso por explorar que são os dados científicos de ciências da terra, que podem ser uma fonte interminável de inspiração para os artistas”, afirma. “Acho que é fundamental dar início a uma época em que os nossos cientistas possam manipular livremente dados das ciências da terra para fins inteiramente novos.”

Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.

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