HOJE SABE MAIS DO QUERIA SOBRE GRUPOS DA EXTREMA-DIREITA, MAS MARIANA JONES RECUSA TER MEDO: "ELES PASSARãO... EU PASSARINHO"

Mariana Jones preparava-se para apresentar o seu novo livro, “O avô Rui, o senhor do Café”, quando foi de imediato interrompida com uma pergunta. "A minha editora, depois de conseguir dizer as suas palavras, passa-me a palavra e eu, quando digo bom dia, sou imediatamente interrompida por uma voz em tom alto, a perguntar-me porquê é que eu odiava crianças", conta à CNN Portugal a escritora. A voz pertencia a um membro de uma associação de extrema-direita, mas a escritora garante que "o medo não pode ganhar".

A apresentação estava a decorrer, dia 22 de junho, na Fnac do NorteShopping, no Porto, e acabou por não acontecer porque membros da associação de extrema-direita Habeas Corpus não deixaram a escritora falar. Mas a perseguição não é nova e já dura há vários meses. A escritora fala de um "atentado claro e sério" à sua liberdade de expressão. "Não consegui apresentar o livro".

Mas de onde vinha a pergunta? Apesar do livro que estava a apresentar ser “O avô Rui, o senhor do Café”, a escritora de livros infantis admite que sabe porque nasceu a perseguição. Só não sabe como, nem quando ao certo se tornou um alvo. "De onde vem, não lhe sei responder. Sei que o alvo mais apontado é o meu livro "O Pedro gosta do Afonso", explica à CNN Portugal. "Que o escrevi há mais de um ano, que foi lançado há mais de um ano. E que desde outubro tem sido aqui alvo de foco destes movimentos", acrescenta.

E as ameaças e as intimidações começaram em outubro passado, numa apresentação que fez em Braga. Uma apresentação que já teve de ser realizada "à porta fechada". "E, desde então, seguem-se mensagens de ódio e de intimidação, a nível digital, nas várias redes sociais. Até na Feira do Livro, onde fui interpelada por uma das pessoas desse grupo, que me fazia as mesmas perguntas, em tom alto, em tom de intimidação, muito próximo de mim. Assustou inclusivamente as pessoas e as crianças que estavam na Feira do Livro", recorda a escritora que foi convidada a estar em antena e a relatar o que tem sofrido nos últimos meses. 

Mariana Jones não tem dúvidas que estamos perante um atentado à sua liberdade de expressão: "Não só à minha. Hoje sou eu, autora, e é o meu livro, ou são os meus livros, mas amanhã é outro autor. Já foram visadas outras autoras, portanto isto é um atentado, claro, à liberdade. E um atentado sério. Eu não consegui apresentar um livro, e a partir de agora, provavelmente tão cedo, eles acham que eu não vou conseguir apresentar mais livros. E dizem-no, e intimidam, e fazem vídeos a dizer isto".

Por agora, sem fazer previsões do futuro, não confirma se vai ou não apresentar os seus livros. "Não sei, seria um bocado tonto se eu dissesse que vou apresentar, daqui a uma semana, um livro noutra FNAC ou noutra livraria, percebendo que estes movimentos vão fazer exatamente a mesma coisa. Ontem vi uma destas pessoas dizerem-me que eu teria que apresentar os meus livros em casa".

E com alguma ironia à mistura até admite: "E eu até imaginei, agora, o paradigma das editoras a irem a casa dos autores, com acepipes, mas não. Tão cedo não sei se vou fazer em programas de televisão, se vou arranjar outra forma de apresentar livros, ainda não sei. Sei que deve ser um tema encarado pela sociedade civil de uma forma séria, porque implica todos nós.

Mas o que tem o primeiro livro que parece incomodar tanto este grupo de extrema-direita? "Provavelmente o título, o Pedro Gosta do Afonso", afirma Mariana Jones, "porque suspeito que a maioria não leu e se leu provavelmente não interpretou a história. Eu acho que este livro é um livro sobre um Afonso que vive uma perfeição. Um Afonso de pré-adolescência, à semelhança de todos os pré-adolescentes, com dúvidas, com mudanças, e que vai contando ao seu avô esses anseios. É uma história sobre a amizade dele com o Pedro. Portanto, é uma história sobre lugar seguro, sobre amizade, sobre liberdade".

A escritora gosta de acreditar que está protegida pela justiça, mas esperava mais enquadramento legal para o que tem sofrido na pele. "A esta altura do campeonato já devíamos ter mais enquadramento legal sobre o processo do ódio a nível digital, sobre esta linha tão ténue da liberdade que neste momento me afeta a mim, que eu não posso apresentar livros, que questionam o que é que eu devo ou não escrever, os temas dos meus livros".

Mas o seu maior apoio tem sido a editora e faz questão de agradecer "da Dom Quixote à Carla Teixeira Pinheiro, que não me tem largado. Porque eu acho que também é o papel das editoras, das livrarias, dos políticos, dos cidadãos. Temos de estar atentos. Estes movimentos são de facto sérios e o medo não pode ganhar tudo", desabafa.

A escritora admite que já conhecia o movimento: "Já tinha conhecimento,  até porque vou acompanhando as notícias dos movimentos de extrema-direita, aliás pela Europa". Mas é a partir de outubro que infelizmente o conhece de perto.

E este movimento são uma fonte de preocupação para Mariana Jones pela forma como "nos cercam, como são subterrâneos e vão escalando e vão ganhando espaço com temas muito sensíveis. Baralhando, confundindo, na mesma frase pedofilia com homossexualidade, com difamações, com livros para o pré-escolar, quando a maior parte dos meus livros obviamente não é para pré-escolar, até porque no pré-escolar à partida não sabem ler. E portanto, sei mais do que gostava de saber nesta altura".

No final da entrevista na CNN Portugal, Mariana Jones foi convidada a deixar uma mensagem a quem a tem perseguido e como alguém que usa as palavras em todo o seu pleno, deixou um poema de Mário Quintana.

"Poeminho do Contra

Todos esses que aí estão

Atravancando meu caminho,

Eles passarão...

Eu passarinho!"

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