UM LUGAR SILENCIOSO: DIA UM, A CRíTICA | LUPITA NYONG’O E JOSEPH QUINN ENFRENTAM O APOCALIPSE

“Um Lugar Silencioso: Dia Um” concede nova vida ao franchise a que John Krasinski deu início, trocando o cenário rural pelo caos de Nova Iorque. Lupita Nyong’o, Joseph Quinn e um gatinho adorável são os protagonistas deste terror apocalíptico.

Imediatamente adorada pela crítica, “Um Lugar Silencioso” ou "A Quiet Place" é um curioso franchise nos anais do terror moderno. Ao contrário de muitas outras séries, as suas origens são recentes, não estando nem fundadas em literatura, folclore, ou qualquer uma propriedade já estabelecida para o público cinéfilo. Numa transição auspiciosa, de estrela a realizador, John Krasinski assinou um pesadelo em quietude sepulcral. São histórias de um futuro próximo, quando a Terra é invadida por alienígenas violentos que usam o som como principal sentido. A única forma de sobreviver, é manter-se em silêncio, jamais alertando os monstros para a presença humana.

Dito isso, as obras que Krasinski realizou, esses primeiros dois episódios, pouco se expandiram além das personagens principais. Sempre presas à perspetiva de uma família em ambiente rural, as narrativas pouco davam a entender o estado da Humanidade ou as especificidades desta nova ordem mundial. Mais do que um exercício em ficção especulativa com um trejeito sanguinário, “Um Lugar Silencioso” vingava mais como homenagem à resiliência daqueles unidos por laços de sangue e amor. Talvez por isso, a lógica pouco se sente nesses filmes e as incongruências são muitas. É difícil acreditar nesse amanhã e, por isso, é difícil sentir o terror absoluto.

Contudo, os filmes foram bem-recebidos, muito elevados por um elenco formidável que contou com Emily Blunt num papel que lhe valeu o SAG para Melhor Atriz Secundária de 2018. Com a expansão do franchise além da família original, trocou-se o interior dos EUA pelo centro de Manhattan e um mundo adaptado à ameaça por uma sociedade tomada de surpresa pela invasão extraterrestre. Essas alterações deveriam inverter as prioridades do franchise, descobrindo novas mais-valias além da angústia em esfera familiar. Mas a verdade é que tanto se exploram novas possibilidades como se desenvolvem as ideias antigas neste “Um Lugar Silencioso: Dia Um.”

Se esperam uma visão mais compreensiva da ameaça alienígena, este filme será desilusão. Aliás, emergem ainda mais inconsistências nesta prequela, irracionalidades que corroem a fundação da história e testam a credulidade do espetador. Só que, ao mesmo tempo, as qualidades dos primeiros filmes são aprofundadas e a qualidade destes filmes enquanto estudos de personagem in extremis é reforçada. Como ficção-científica, “Um Lugar Silencioso: Dia Um” deixa algo a desejar e até o terror tende a vacilar. No entanto, as personagens são apaixonantes e as emoções fortes, o sentimentalismo bem justificado e a complexidade temática mais sentida que nunca.

A prequela desenrola-se em Nova Iorque.

Tudo começa num hospício perto da Grande Maçã, onde Samira - ou Sam - espera pelo fim da vida. Uma doente terminal, ela é ainda jovem, tão moribunda como os muitos idosos com quem partilha estes últimos dias. Uma poetisa consagrada, a inteligência salta à vista e tende a manifestar-se em obstinação. Por muito que os vizinhos e enfermeiros tentem travar amizade com ela, Sam vive isolada, com o gato Frodo como principal companheiro. Só a promessa de uma fatia de pizza a alicia a participar numa viagem à cidade, uma visita a um teatro de marionetas que se torna em calamidade quando, no alto, se veem meteoros a rasgar o céu.

Só que não são meteoros, mas os alienígenas que definem o horror da saga “A Quiet Place.” Num abrir e fechar de olhos, as ruas de Nova Iorque são consumidas pelo caos, grandes nuvens de poeira e cinza a esconder a carnificina que se desenrola na gritaria. Em início da fita, aparece no ecrã uma descrição da metrópole como um grito continuo, tão alto é o nível de ruido no seu amago. Nesta sequência de ação, tal descrição torna-se numa hiper-realidade até ao ponto em que Sam fica inconsciente. Várias horas depois, ela acorda no teatro de marionetas e, como que por magia negra, a cidade calou-se.

A partir desse ponto, “Um Lugar Silencioso: Dia Um” desenrola-se segundo as regras já estabelecidas nos primeiros filmes, só que com um elenco muito maior. Mesmo assim, o foco está sempre em Sam que, contra toda a razão, decide partir em odisseia pela pizza dos seus sonhos. Ao início, isto pode parecer a loucura de uma mulher às portas da morte, mas gradualmente vai-se desvendando como uma peregrinação sentimental em honra de um patriarca perdido e toda uma vida silenciada antes de tempo. Lá vai ela, andando por uma Manhattan arruinada, com Frodo ao colo e, mais tarde, a ajuda de um estranho que se torna seu aliado. É ele Eric, o nosso segundo protagonista.

O realizador Michael Sarnoski - conhecido pelo drama "Pig" - está claramente mais à vontade num registo dramático que nas antípodas do terror, com o seu trabalho a brilhar em passagens focadas na psicologia de Sam. Nas mãos do realizador e da atriz Lupita Nyong’o, a personagem torna-se no alicerce da fita, cheia de raiva contra um corpo que a trai e um universo que insiste em lhe tirar autonomia sobre a própria vida. Por muito estranho que pareça, o apocalipse é quase uma chance de ela tomar controlo de si mesma e reivindicar o direito de morrer como quer. Na sua viagem, Sarnoski quase repensa o filme enquanto blockbuster existencialista.

Lupita Nyong'o e Joseph Quinn têm muita química, entre si e com um gato.

Essas ideias melancólicas são exaltadas por um trabalho primoroso em som e fotografia, uma pátina de solenidade que insiste em recordar a perda e a ausência, tudo aquilo que desaparece face à invasão do outro mundo. É cliché dizer tal coisa, mas a cidade torna-se personagem e o trauma do 11 de Setembro é uma clara referência no modo como Sarnoski imagina esta Nova Iorque coberta em cinza e sangue. Além disso, a economia musical também ajuda, fugindo à persistência dos filmes anteriores para assim fazer deste “Dia Um” o lugar mais silencioso desta trilogia de terror. E tudo isto acontece mesmo com um gato em papel principal.

De facto, é difícil compreender como os cineastas conseguiram coordenar todo este aparato com a presença de Frodo tão forte ao longo de toda a história. Interpretado por dois gatos, ele é um dos grandes felinos em toda a História do Cinema, fazendo de “Um Lugar Silencioso: Dia Um” visionamento obrigatório para qualquer apaixonado dos gatinhos. Com ele vem humor e leveza, mas também surge a aflição de quem teme mais pelo ator peludo que pelos seus colegas humanos. Mas enfim, convém aplaudir esses seres também. Além da estupenda Nyong’o, o filme tem um elenco notável, desde Djimon Hounsou a Alex Wolff, passando por Joseph Quinn no seu primeiro grande papel desde “Stranger Things.”

Longe de ser o centro do filme, o ator é uma variação tonal, trazendo fúria de viver e gentileza à trama desta aventura. A sua química com Nyong’o é o ponto de alto, talvez só superado pela maravilha de Quinn com o gato. Essa cumplicidade, o florescer de uma amizade, trespassa um raio de esperança por entre a escuridão de “Um Lugar Silencioso: Dia Um,” revitalizando o franchise sem desobedecer à tragédia essencial da prequela. Até quando as conclusões são meio ingratas, o trabalho destes atores faz com que o espetador nunca caia no desespero. Pelo contrário, mantém-se a luta por ver o amanhã, por um futuro incerto.

Um Lugar Silencioso: Dia Um, a Crítica

Título: A Quiet Place: Day One
Realizador: Michael Sarnoski
Elenco: Lupita Nyong'o,Joseph Quinn,Alex Wolff,Djimon Hounsou,Alfie Todd,Zay Domo Artist,Alexander John,Eliane Umuhire,Elijah Ungvary,Thea Butler

Género: Drama

Terror

Ficção-Científica

2024

Cláudio Alves 72
Maggie Silva 78

CLASSIFICAÇÃO FINAL: 75

CONCLUSÃO::

“Um Lugar Silencioso: Parte Um” é o melhor filme do seu franchise, expandindo as ambições e espetacularidade, assim como um certo nível de introspeção. Lupita Nyong’o é a chave que faz todo o engenho funcionar, mas é a sua parceria com Joseph Quinn e um par de gatos que traz impacto sentimental à fita. Como sempre, o pesadelo dos aliens nem sempre segue lógica, mas a sua ameaça serve como impulsionador do enredo. Só esperamos que, um dia, a sua presença seja mais visceral e não só um mecanismo para contar alguma história que poderia funcionar com qualquer outro inimigo.

O MELHOR: A química de Nyong’o e Quinn, assim como a sua brilhante contracena com o gatinho Frodo. Aqui temos uma verdadeira estrela do cinema de quatro patas.

O PIOR: Todo o ato final é meio problemático, especialmente no que diz respeito às derradeiras ações da heroína. Além das constantes falhas lógicas deste franchise, essa é a maior fragilidade.

CA

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