A BESTA, A CRíTICA: LéA SEYDOUX NO GRANDE ROMANCE DE BERTRAND BONELLO

Bertrand Bonello assina "A Besta" ("Lâ Bête"), um melodrama romântico com toques de ficção científica, que se encontra em exibição nas salas portuguesas. Léa Seydoux garante uma performance central verdadeiramente memorável! 

Em "A Besta", o mais recente filme de Bertrand Bonello, Léa Seydoux e George MacKay são Gabrielle e Louis, um casal mal fadado em três linhas temporais - no ano de 1910,  2014 e 2044. Este romance de ficção científica é atravessado por um forte cunho melodramático e por uma predisposição para o fatídico.

Que o diga a eterna reencarnada Gabrielle de Léa Seydoux, numa extraordinária interpretação que a coloca como representante máxima do melhor da humanidade: a sua capacidade de proximidade junto do outro.

"La Bête", que em Portugal passou pelo IndieLisboa antes de chegar aos cinemas comerciais, e onde tivemos oportunidade de ver a obra, move-se num espaço metafórico de fácil interpretação. Sem deixar espaço para equívocos, esta é uma história que, ao avançar no tempo, vai evidenciando um certo colapso civilizacional motivado não só pela invenção e proliferação da inteligência artificial, pelo domínio da tecnologia, como ainda por uma fixação pérfida na ideia de "racionalidade".

A Besta e a nostalgia pela Belle époque

O filme tem como linha temporal mais distante o início do século XX, mais especificamente a Paris de 1910, uma cidade prestes a ser destruída por trágicas cheias, mas que nesta altura se encontrava repleta de vida e a florescer. Certamente este não foi o primeiro encontro destes amantes eternos, mas é nesta Paris do século passado que conhecemos Gabrielle e Louis pela primeira vez. Ela, casada; ele solteiro e a recordar-se com carinho da ocasião em que conheceu uma bela mulher assolada por um medo existencial drástico, pelo receio de uma "besta" capaz de tudo devorar sem aviso.

Gabrielle, ao longo das suas várias vidas, sempre teve receio desta "besta", e quando por fim compreendemos do que se trata, o nosso terror é equiparável ao sentido pela protagonista, tornando-se "A Besta" num dos melodramas mais bem executados e poderosos dos últimos tempos (ou anos, quiçá, é tempo de digerir a sua história).

Regressando a 1910, este é o encontro mais poderoso e marcante entre Gabrielle e Louis, pelo menos entre aqueles a que temos o prazer de assistir. A Paris da Belle Époque coloca ênfase no belo, nas artes, na sensibilidade, em tudo o que estará pecaminosamente ausente no mundo de 2044, o que começa e conclui a nossa narrativa e nos transporta para uma inevitável existência distópica.

Esta Paris de 1910 é o climax romântico e o verdadeiro coração de "La Bête", e também a linha temporal onde a franqueza do argumento parece ser mais palpável. Em 2014, Gabrielle é uma modelo francesa a trabalhar em Los Angeles, meio perdida numa colina enquanto tem encontros casuais e toma casa de uma casarão que não lhe pertence. Aqui, a tecnologia começa a ser já uma presença incómoda na socialização humana e o seu belo e caro Louis é bem diferente.

A tentação seria torná-lo irresistível em todas as linhas temporais, mas Bertrand Bonello é mais inteligente que isso. Em 1910 é charmoso, mas em 2014 é um incel, incapaz de arranjar uma rapariga interessada em fazer sexo com ele. Acreditamos neste retrato, o que apenas prova que não é o homem que faz o incel, mas o contexto em que cresce e se desenvolve. Um contexto de raiva, desinteresse e prioridades baralhadas. Bonello deixa tal bem claro. Aliás, nesta linha temporal o tom melodramático é quase abruptamente substituído por um sarcasmo que tudo ameaça consumir e por uma seriedade menor. O princípio do fim?

Um sentido de condenação crescente: há futuro?

em 2044, Louis está mais próximo do seu "eu" original, mas é atormentado por uma ansiedade própria do seu tempo e por questões existenciais que não lhe permitem saber como desfrutar da companhia de Gabrielle. Aqui, uma vez mais, a sua paixão está mal fadada, seja por motivações e obstáculos internos ou externos (ambos na realidade).

Entre passado, presente e futuro, a constante é a prestação estrondosa de Seydoux, a química da dupla principal, o desconforto sentido e a trágica consciência da morte que permeia toda a obra. As outras obras de Bonello tinham esta mesma consciência do fim bem presente:, por exemplo, em "Saint Laurent" filma tendo em conta a débil saúde mental do seu protagonista; em "A Criança Zombie", projeto posterior, confronta quem vê com um fantasma materializado do colonialismo e trata a temática com particular dor dilacerante quase a saltar da sua lente.

Léa Seudoux e a esperança entre a ruína de A Besta

No ano de 2044, tudo começa quando Gabrielle (Léa Seydoux) é confrontada com uma estranha exigência: ou analisa todas as memórias de vidas passadas para as ultrapassar e ficar imune a emotividade ou não poderá ser contratada para um bom emprego, nesta nova sociedade reservado para quem seja meramente racional. E embora Gabrielle acabe por aceitar o processo, algo nela é capaz de se agarrar à humanidade, às emoções, à paixão e ao interesse pelo seu Louis em todas as versões que já foram no passado.

O invulgar e dilacerante filme de ficção científica de Bertrand Bonello baseia-se na novela "The Beast in the Jungle", publicada por Henry James antes de qualquer uma das linhas temporais da história, em 1903. Uma das obras mais aclamadas de James, também responsável pelo muito adaptado "The Turn of the Screw", "The Beast in the Jungle" aborda temas universais como amor, morte, destino e solidão.

Atravessado por um profundo sentido de ruína em rápida aproximação, "A Besta" não deixa de celebrar as facetas mais belas da humanidade através da presença da Gabrielle de Léa Seydoux, alguém que não abdica de sentir, mesmo quando tal é o mais fácil e benéfico. Assim, uma natureza transacional nunca se torna uma hipótese para esta personagem e a esperança não dissipa. A humanidade vive outro dia.

"A Besta" estreou a 27 de junho nas salas de cinema nacionais e é um dos grandes destaques da semana a não perder!

TRAILER | A Besta, Já Nos Cinemas

A Besta, a Crítica

Título: A Besta
Descrição: Num futuro próximo em que reina a Inteligência Artificial, as emoções humanas tornaram-se uma ameaça. Para as descartar, Gabrielle deve purificar o seu ADN, mergulhando nas suas vidas anteriores. Nelas encontra Louis, o seu grande amor.
Realizador: Bertrand Bonello
Elenco: Léa Seydoux,George MacKay,Guslagie Malanda

Género: Romance

Drama

Ficção Científica

Maggie Silva 85

CLASSIFICAÇÃO FINAL: 85

Conclusão:

"A Besta" é uma obra distinta e uma dilacerante ilustração dos perigos iminentes com os quais a humanidade se confronta no aqui e agora. O espaço em branco entre 2014 e 2044, ambos tempos narrativos, é uma provocação maravilhosa para quem vê?

Conseguiremos resistir, seremos tão bravos(as) quanto Gabrielle?

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